Temos que admitir que nossa
experiência com viagens nos deixou um pouco relapsos. A perna dessa viagem que
nos levou a Parintins é uma prova disto. Erramos em praticamente tudo. Chegamos
ao porto sem passagens e tivemos que comprar na hora, e para ir de rede. O
detalhe é que até o momento não tínhamos rede e a experiência no Redário Iguana
nos mostrou que não estamos preparados para passar uma noite neste simpático
leito. Mesmo assim, já na área de embarque do porto de Santarém procuramos um
par pra comprar e ao perguntarmos o preço a dona da banca respondeu com a
pergunta: “em Real?”. É que só um turista muito mal informado, provavelmente de
fora do país deixaria para ter os olhos furados ali. Nos negamos a pagar
R$60,00 por cada rede e embarcamos no Anna Karoline. Passar uma noite apenas
dormindo no chão, com sacos de dormir não seria o pior dos sacrifícios.
Entramos no barco e aguardamos a
partida. Do nosso lado estava parado um transatlântico lotado de gringos.
Vários circulavam pelo porto e tiravam fotos do nosso barco, das pessoas, como
se fôssemos um zoológico. Quando um casal de velhinhos apontou a câmera para a
área em que estávamos sem fazer ao menos um sinal pedindo permissão para uma
foto, perdi a paciência e apontei minha câmera diretamente para eles, que,
surpresos, abriram os braços e fizeram cara feia me questionando. Engraçado
como alguns europeus se acham no direito de fotografar as pessoas de países menos
respeitados que visitam, incluindo de crianças, sem qualquer autorização, já
que se um turista faz o mesmo por lá pode até ir parar em uma delegacia. Enfim
partimos. Após alguns minutos perguntei a um tripulante se podíamos nos alojar
no compartimento de carga, que estava bem vazio. Após ponderar que já estávamos
longe da Capitania, disse que sim. Mas chegando lá, uma maruja bem brutamontes
disse categoricamente que não podíamos. Então voltamos para o deque superior,
onde capturamos duas cadeiras de plástico. Era um dia muito quente e
ensolarado. Ficamos correndo atrás de sombras. Se tivéssemos redes, não
saberíamos onde pendurar, pois o barco estava muito cheio. Seria uma viagem de
17 horas e só nos restava ter paciência. Ficamos sentados numa lateral,
aproveitando uma brecha de sombra. Almoçamos mal. Marmitex de R$15,00. O pior e
mais caro que pagamos em toda a viagem. O dia se arrastou lentamente e se não
fosse a paisagem seria um martírio completo. Finalmente escureceu e pudemos
retornar ao deque superior, onde um telão mostrava shows de cantores
sertanejos. Meia noite a tromba homem que nos expulsara do compartimento de
cargas veio nos confiscar as cadeiras, pois o bar iria fechar. Mas afinal, o
que poderíamos fazer com as cadeiras? Roubá-las? Jogá-las no rio? A próxima vez
que ela nos encontrasse provavelmente nos mandaria pular do barco. Enfim,
deitamos no chão e ficamos olhando pro céu. Conseguimos alguns minutos de sono
e quase 5 da manhã chegamos a Parintins. Tomamos um susto ao descobrir que a
hora local era 4h pela mudança de fuso horário, outro sinal de relaxamento nos
planos.
Não sei onde, mas li que havia
coisas legais para se fazer nesta simpática cidade em qualquer época do ano.
Bom, chegamos e depois de caminhar por uns 2 quilômetros achamos um hotel e nos
alojamos. Sem internet, mas muito bom pelos R$60,00 a diária. Lembre-se bem do
que vai ler agora: Parintins não oferece NADA para um visitante que lá chega
fora do festival folclórico que a fez famosa. Nem hotel com internet tem
direito. Mas não estou denegrindo a cidade. Pelo contrário. Tem um charme, é
menos suja que as pequenas cidades que margeiam o Amazonas, tem um movimento
que atesta que está viva e funcionando. Apenas não tem atrações que não sejam
as ligadas à competição entre o Caprichoso e o Garantido. Assim que acordamos
fomos logo comprar passagens para a madrugada seguinte partirmos para Manaus.
Mas tudo vale a pena quando a
alma não é pequena. As histórias envolvendo a rivalidade são muito engraçadas.
Casais que são separados nas vésperas do embate, para evitar que segredos
estratégicos sejam revelados; todas grandes marcas como Coca-cola e Bradesco com
suas cores mudadas para azul e branco em metade dos anúncios, para deixar claro
que o vermelho da marca não tem a ver com o Garantido, brigas, os passeios
pintados de vermelho ou azul, os vários túmulos do cemitério decorados com as
cores dos bois, as enormes caravanas que saem de Manaus com navios fretados
exclusivamente para levar passageiros de um ou de outro boi, mas nunca dos dois
e várias outras. Renilza me alertara que não teria nada lá para vermos na época
em que fomos e a responsabilidade desta parada é toda minha. A cidade estava
tão vazia de turistas que confesso que tive um pouco de vergonha, quando
olhares dos moradores demonstravam surpresa de verem dois turistas perdidos
ali. Seria praticamente o mesmo que encontrar em João Monlevade um grupo de
mochileiros alemães procurando o que visitar. Foi mal. Às 5h da manhã do dia
seguinte pegamos uma lancha rápida para Manaus, que prometia nos deixar na
capital Amazonense em 12 horas de viagem...