segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Macapá e a volta dos que não foram

Nunca estivemos tão perto de conhecer Macapá, a capital mais isolada do Brasil. Era só atravessar o rio. Tudo bem, contornando a ilha de Marajó por canais tortuosos, seriam por volta de 300km! Um dia de barco! Compramos nosso camarote no Ana Beatriz IV e aguardamos felizes nossa partida marcada para domingo, 10 de janeiro. Escolhemos camarote porque não estamos acostumados a dormir em rede e não nos sentimos seguros para dormir de boas com nossas bagagens, com computador e tudo soltas debaixo das redes. Chegamos no barco por volta das 10 da manhã, entramos, tomamos posse, tomamos umas cervejas, conhecemos umas pessoas ao redor do porto e tals. A condição portuária de Belém é estranha. Eles tem o porto próximo às docas, que funciona muito bem, como uma boa rodoviária ou um aeroporto. Mas além deste porto, existem vários outros, privados, ao longo da margem do rio que banha a cidade. E aí a coisa é meio bagunçada, sem muito padrão operacional, sujos etc. Os que conhecemos são muito próximos a favelas, cortadas por canais lotados de lixo que sobem e descem à mercê da maré.
Os navios do porte do nosso levam pessoas e cargas, que invariavelmente atrasam as partidas. Mas quem se preparou pra ficar 24 horas no barco não ia ficar bravo com umas horinhas de atraso. E acompanhamos o carregamento. Laranja, limão, ovos! Meu Deus! Por que essas coisas não são produzidas no próprio estado? Produtos com valor agregado tão baixo e de produção tão simples serem transportadas de navio de Belém... tem algo estranho no ar... tão estranho quanto o José Sarney ter sido eleito um dos senadores do Amapá.
Enquanto a carga ia sendo acomoda no navio, manualmente, fardo a fardo, caixa a caixa, conhecemos um senhor do Piauí, que mora em Oiapoque e estava voltando de férias. Ele tinha um bar na cidade, que segundo ele, vivia da extração de ouro por garimpeiros e tinha mais ligação com a Guiana Francesa do que com o Brasil. Contou sobre garimpeiros pagando cerveja com 10g de ouro, ou prostitutas com 20g. Disse que todos andam armados e que morre um a toda hora, mas que o dinheiro (ouro) rola solto e que é muito fácil ficar rico por lá, se tiver disposição. Contou que os indígenas que viviam no lado francês recebiam uma bolsa em euros todo mês e os da mesma etnia, brasileiros, acabavam virando empregados dos primeiros. Enfim, após 2 horas de atraso, o Ana Beatriz partiu. O dia seria longo e resolvi tirar uma sonequinha. Após uma hora de navegação os auto-falantes do barco emitem a notícia de que o motor havia quebrado e que seríamos rebocados de volta. Tava tudo muito bom pra ser verdade. Não nos importamos muito. Paciência... Um outro barco nos rebocou de volta a Belém, mas no caminho uma lancha da marinha nos acompanhou e na chegada ao porto pudemos acompanhar parte de um diálogo entre o cara da marinha e o comandante do Ana Beatriz, exigindo documentos e mandando que os passageiros fossem informados sobre o que estava acontecendo. Não sei se a marinha consegue fazer esse acompanhamento com todos os barcos que quebram, mas fiquei satisfeito. Pouco depois fomos informados de que o proprietário estava tentando alugar outro navio e que todos teriam alimentação de graça até a chegada a Macapá.
Esperamos. No início da noite fomos informados de que o Almirante do Mar estava alugado, que passaríamos para este barco à meia noite e partiríamos pela manhã por causa da maré. Depois de uma agradável noite, no teto do Ana Beatriz tomando uma cervejinha e conversando com o Betinho, morador da favela que estava indo para Macapá, ficamos à espreita do Almirante do Mar. Chegou e foi atracado colado lado com lado com o Ana Beatriz. Fui um dos primeiros a pular para ver como seria meu novo camarote. Não tinha ninguém pra receber a gente, passar chaves e então peguei logo um para mim. Era sem banheiro e não tinha ar condicionado individual, mas sim uma janelinha que distribuía o ar do refrigerador central. Procurando pelos banheiros, fui abrindo portas e próximo ao nosso quarto uma porta dava para um corredor que estava cheio de baratas. Voltando pra procurar o comandante reparei que o Almirante estava imundo, que não havia sido limpo após sua última viagem. Estava tudo meio caótico e soubemos que não partiríamos muito cedo, pois não haveria lugar para todos. A tripulação estava perdida, porque não era para o povo ter mudado de barco ainda. Uma senhora disse que não era pra ficarmos com medo, mas “olha, ano passado esse navio pegou fogo!”. Um tripulante nos informou in off que o Almirante estava em péssimo estado e que provavelmente quebraria na viagem. Enfim, quem sabia o que estava fazendo provavelmente estava mal informado, porque, apesar de não haver tumulto, a situação era caótica. Então fizemos o que qualquer pessoa sensata deveria fazer: fomos dormir.
Pela manhã vimos que a situação não havia melhorado. Outro barco, o Breno havia atracado ao lado do Almirante. Meu Deus! Será que a intenção era fazer uma ponte de barcos, um ao lado do outro par a gente chegar a pé em Macapá?
Batemos pernas, comemos, bebemos, conversamos e por fim propusemos que nosso destino fosse trocado para Santarém. Toparam na hora, mesmo a passagem para Macapá para o casal sendo 100 reais mais barata que pra Santarém. Pensamos o seguinte: Fizemos um grande esforço para conhecer Macapá, que pelo que dizem os relatos nem é uma cidade que tem tannnnntos atrativo assim. Como não deu certo, paciência. Fomos, mas não chegamos. Voltamos sem termos ido.
Mas o barco pra Santarém, o Amazonas II só sairia na terça às 18 horas. E terça era aniversário de Belém. Então bóra bater perna em Belém! Vimos show de Carimbó no Ver o Peso, compramos castanha numa banca, olhamos artesanato e fomos ao shopping fazer um supermercado básico, almoçar e acabamos assistindo de novo Star Wars. Terminamos a tarde no deque superior do Amazonas II, tomando um vinho, comendo um sanduiche e fazendo uma farra com as castanhas que compramos. Após um por do sol muito louco, partimos numa viagem de 3 noites.
A primeira noite foi tranquila. Mas no dia seguinte Renilza começou a passar mal e de noite estava ruim, com diarreias e febre. Acionamos a enfermeira do navio, Alda, excelente profissional, muito atenciosa e prestativa. Renilza foi medicada e um dia depois, já estava boa como um coco.
Felipe, um garoto alemão de 18 anos que conhecemos em Marajó, estava no mesmo barco. Ele estava há alguns meses no Brasil. Fez trabalho voluntário em uma favela do Rio e já tinha rodado bastante sem falar português. O cara é um gato e as meninas do navio estavam todas apaixonadas. Mas ninguém falava outra língua além do português e uma até tentava dar o bote, mas não rolava nenhuma conversa. Por fim ele se juntou a nós e três garotas, de 10, 14 e 16 anos que conhecemos pela manhã tomaram coragem e se aproximaram. E a gente ficou meio de intérprete. Ele é todo certinho. Já havia descido o rio de Manaus a Belém, mas voltava para ver sua namorada em Santarém. Mesmo assim foi super atencioso com as meninas. A de 10 era a mais engraçadinha e as outras não eram assanhadas. Perguntei sobre os refugiados sírios e ele falou uma coisa legal. Disse que estava orgulhoso por seu país estar recebendo tantas pessoas, mas aquilo não era solução para a Síria. Ajudar as pessoas a saírem de um país não é solução. O certo era realmente resolver o problema que expulsava pessoas da Síria. Bom garoto!
Pelas manhãs a gente curtia e fotografava as paisagens. Pode ser repetitivo, mas vou falar: a Amazônia é muito bonita. Horas e horas de paisagens estonteantes. Rio, floresta, pássaros, botos, barcos. Não enjoa.
Mas tem algo errado. A população ribeirinha é paupérrima. O navio ia passando e crianças e mulheres em canoas esperam para que joguemos doações em sacolas plásticas. Cada localidade ribeirinha tem sua igreja, 90% das vezes evangélica. 100% das vezes é a construção mais imponente em meio à miséria. Segundo um passageiro da região, a prostituição infantil rola solta. Garimpeiros e outros trabalhadores vagam pelos rios e negociam às vezes com o pai das meninas.

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