sexta-feira, 31 de agosto de 2012

China - parte 15

Viagem de Beijing a Mănzhōulǐ

No dia da partida fechamos a conta no albergue e fomos para a estação com bastante antecedência. A estação é organizada, mas há pouquíssimas indicações em inglês. A gente ia mostrando nosso bilhete para os funcionários e eles indicavam o caminho. Por fim estávamos no nosso trem, no nosso acento. Este não era, como já disse, um trem do tipo Expresso Transiberiana. O acento é revestido com algum estofado, mas é completamente rígido e não inclina. Há uma mesinha para ser compartilhada por cada 4 ou 5 passageiros.

Tentamos não dormir de dia para que o sono viesse forte a noite. Demos o azar de compartilhar a mesinha com um chinês gorducho e mal encarado que usava a mesinha inteira só para ele dormir. Em outras partes, essa mesinha era compartilhada por 4 pessoas que apenas apoiavam a cabeça. A gente lia, jogava pif, que não exige espaço, e dava voltas pelo trem.

Em cada vagão há um ponto onde se pode pegar água fervendo. Então a chinesada usa e abusa dos macarrões tipo miojo, que são vendidos para todo lado e até dentro do trem, em potes próprios para receber água fervendo. A gente não tinha ainda essas manhas, mas levamos bastante comida. Duas vezes ao dia funcionários passavam vendendo comida e bebida. Neste trem há um marmitex muito interessante. Custava cerca de 1,5 dólar. Não era nenhum banquete, mas valia bem por uma refeição. Mas muitos chineses passavam o dia inteiro só comendo o macarrão de pote. A mesma ração, 4 ou 5 vezes no mesmo dia.


Percebemos que o funcionário do vagão estava superfaturando a água mineral que ele vendia pra gente. Quando compramos a primeira vez perguntamos o preço e ele indicou 3,00 yuan. Depois Renilza viu chineses pagando 2,00. Na segunda vez que fomos comprar, Renilza pegou uma garrafa no carrinho, o funcionário tomou a garrafa da mão dela e a entregou outra. Ela olhou para o carrinho e viu escrito 2,00. Aí descobrimos que em algumas estações dá pra descer e comprar coisas dos ambulantes. Assim passamos a comprar água do lado de fora do trem, nas paradas, por 2,00 yuan.

Na primeira noite perdemos a hora do marmitex e nos atrasamos para jantar no vagão restaurante. Estávamos fazendo algo muito importante que era jogar pif. Quando chegamos ao vagão restaurante naquele horário ainda vendiam uma refeição que não entendemos o nome. Mas pelo preço, cerca de 7 dólares cada (na China isto não é pouca coisa), imaginamos que seria algo que substituiria um jantar. Grande erro. Se tratava de uma bandeja redonda com umas divisões. Em cada uma havia uma espécie de bala ou docinho, todos horrorosos. Principalmente para quem esperava um pratão, tipo arroz carne e vegetais. Comemos o que conseguimos e voltamos para os nossos lugares.


A noite foi melhor do que esperávamos. Na verdade, esperávamos ter a pior noite de nossas vidas. Mas como conseguimos apoiar as cabeças um no outro ou na janela ou numa quina da mesa e somando os breves períodos de cochilos de uns 15 minutos ou meia hora, conseguimos umas boas 3 ou 4 horas de sono. Ou seja, esta noite não está nem entre as dez piores noites da minha vida.

O segundo dia foi mais tranquilo. Já tínhamos pegado o esquema do rango e a paisagem era interessante. Muita grama e colinas, vez em quando uma cidade inteira em construção, com dezenas ou centenas de prédios cada um com sua grua. A paisagem lembrava o que esperávamos da Mongólia. Agora não era mais necessário segurar o sono. Se quiséssemos podíamos dormir à vontade, pois a próxima noite já seria em um hotel.

Faltando umas 6 horas para o fim da viagem conhecemos o Andy. Esse não é seu verdadeiro nome em chinês, mas é costume dos chineses se apresentarem para os ocidentais com um nome Inglês. Nós até perguntamos seu nome em chinês, mas realmente era difícil pronunciá-lo. Andy tinha uns 20 anos, falava um bom inglês e batemos um papo legal. Ele desceu e logo entrou um grupo de uns 6 chineses camponeses que se sentaram perto da gente.

Agora o trem estava mais vazio e a gente podia ficar bem mais a vontade. Enfim, começamos uma conversa com os camponeses. Eles não falavam sequer uma palavra de inglês e nós de mandarim apenas “ni hao” (olá). Mesmo assim a gente conversou muito. Mostramos o Brasil num mapinha que levamos, eles fizeram sinais indicando futebol... era engraçado pra caramba. Aí, um deles saiu pelo trem afora e voltou com um adolescente pelo braço. O menino falava um pouquinho de inglês, mas estava um pouco envergonhado.

Aí ficou mais engraçado ainda, porque os chineses ficavam pedindo para o menino traduzir um monte de perguntas que eles estavam muito curiosos, mas o tímido menino não parecia muito interessado. E finalmente uma mulher se apresentou falando bem o inglês. A conversa foi bem, até que ela se ofendeu quando eu disse que no Brasil a gente chamava aquele chapéu cônico muito comum no Vietnam e mesmo no interior da China de “chapéu chinês”. Ela disse que eles não usavam mais, que a China era agora um país moderno, etc. Com muito custo eu consegui mostrar que respeitávamos muito a China, que sabíamos que em breve seriam a maior economia mundial, que foram os campeões nas Olimpíadas de 2008, etc.

Ela disse que só os camponeses usavam aquele chapéu. Ora, camponeses são chineses também e por fim a convenci de que o chapéu era muito bom e acho que ficou tudo bem. Ela nos ajudou transcrevendo o endereço de nosso hotel para a caligrafia deles, nos deu seu telefone e e-mail, para o caso de precisarmos. Ela vivia em Mănzhōulǐ, nossa próxima parada e nos alertou que lá só se falava chinês e russo.

Enfim chegamos. Depois de 36 horas em um trem de banco duro e mal alimentados queríamos muito um bom hotel para podermos descansar bem. Mas não tínhamos ideia do que nos esperava.

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